Crónica de Alice Vieira | E lá fomos a votos

 

E lá fomos a votos
Por Alice Vieira

 

E pronto, lá se passaram mais estas eleições.

Aqui pela Ericeira quase não se deu por isso, a não ser pelos cartazes—e mesmo assim não eram muitos. Adorei aquele que dizia “Vamos libertar Mafra”, com a variante “Liberdade para Mafra” Quando o vi pela primeira vez, até me assustei, palavra de honra! Mafra teria sido invadida e nós não tínhamos dado por nada?  E invadida por quem? Pelos Afegãos—a obrigarem todas as mafrenses a andarem de burka? Por extra-terrestres com luzinhas na testa?  Fiquei mesmo baralhada.

Mas como, tanto quanto sei, Mafra está na mesma, não sei o que terá acontecido. Mas ainda hei-de investigar…

Mas pelo resto do país houve outros cartazes sinistros, como aquele que exigia “Matança para Todos!”  Caramba! E ninguém se salvava?  Agora a sério, o nome da terra era Matança—mas não haveria maneira de fazer outro slogan?

Um ou outro –mas muito poucos—tinham a sua graça. Como aquele, não me lembro de que terra, em que o candidato aproveitava a sua fraca produção capilar e exclamava “Já estamos carecas de ouvir…” etc, …

Bom, adiante. Agora resta-nos esperar que todos os eleitos façam um bom trabalho.

Quando há eleições, lembro-me sempre das primeiras…Aquilo era uma festa… Convidávamos os amigos lá para casa, com direito a ceia para todos, alguns levavam umas garrafitas para animarem o pessoal, porque aquilo demorava horas e horas.

Telefonávamos aos amigos, “então, quem é que achas que vai ganhar?”, e faziam-se apostas…Era um serão interminável

Uma vez, numas eleições autárquicas entre o João Soares e o Santana Lopes,  uns amigos levaram um peixinho num aquário, para celebrarem o acontecimento. Estava na cara que o João Soares limpava aquilo. Então baptizámos o peixinho com o nome de Soares. E o Soares viveu horas e horas de felicidade, e tirámos fotografias, e os meus filhos foram para a cama com a certeza de terem um Soares no aquário da entrada.

No dia seguinte, assim que se levantaram, correram para o aquário, a deitarem comida lá para dentro e a gritarem “olá, Soares!”—até que o pai teve de os informar que afinal o peixinho chamava-se Santana… E durou muitos anos!

Lembro-me (seriam mesmo as primeiras?) de o Joaquim Letria, que era um dos locutores de serviço, passar horas  a repetir que já estava eleito o Sr. Diamantino, de Macau, e a sorrir para o pessoal em jeito de desculpa, por não ter mais nada para dizer. Hoje já nem existe  Macau e  se  calhar o Sr. Diamantino também não, coitado.

Hoje as eleições não têm graça nenhum. Ainda mal caíram nas urnas os últimos votos — e todas as televisões e estações de rádio já anunciam os resultados aos quatro ventos.

O progresso tem destas coisas…


Alice Vieira
Trabalhou no “Diário de Lisboa”, no“Diário Popular” e “Diário de Notícias”, na revista “Activa” e no “Jornal de Notícias”.
Atualmente colabora com a revista “Audácia”, e com o “Jornal de Mafra”.
Publica também poesia e é considerada uma das mais importantes escritoras portuguesas de literatura infanto-juvenil.

Pode ler (aqui) as restantes crónicas de Alice Vieira


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